Há umas semanas atrás, rumámos ao Sul para ir passar o fim de semana a casa de uns amigos. Eles vivem para os lados de Almada, por isso foi uma boa oportunidade para passear, visitar outras paragens e, claro, passar tempo com pessoas amigas, que não vemos muitas vezes.
Entre os passeios e as conversas, fomos partilhando as nossas experiências, falando do dia-a-dia, contrapondo a vida deles, na cidade, e a nossa, no campo.
Eles foram falando das distâncias que tinham que percorrer todos os dias (casa/trabalho/casa), das pontes, do trânsito, do stress das pessoas, dos horários deles e dos miúdos, da falta de tempo...
Nós fomos falando das caminhadas, da horta, da fotografia, dos nossos passeios pelas serras aqui à volta, dos estrangeiros que se estabelecem por aqui para viverem a reforma com qualidade, de auto-sustentabilidade...
Mas a uma dada altura, um dos nossos amigos citadinos disse uma coisa que me ficou a bater no pensamento durante algum tempo. Enquanto estávamos a falar em como deve ser libertador viver o mais auto-sustentavelmente possível, sem stress, produzir a própria comida, sem trânsito, com tempo para tudo, dormir bem, ele lembrou-se de uma questão, importante para ele, e que fez esfriar o tema da conversa:
"- Isso é tudo muito lindo, mas uma pessoa habitua-se a um certo estilo de vida e depois não consegue viver com pouco!"
Eu confesso que fiquei um pouco chocada, mas como todas as pessoas têm direito à sua opinião, não alonguei o assunto. A verdade é que depois fiquei a matutar naquilo. Eu não trocava a minha vida pela dele, mesmo que, aparentemente, a vida dele seja melhor. Para mim, lidar com stresses é stressante e eu não quero isso. Prefiro ter menos coisas, mas ter tempo para me dedicar às coisas que gosto (como o estar aqui a contar esta história no blogue). Prefiro não ter um carro topo de gama, mas não precisar de passar uma hora no trânsito (para cada lado). Prefiro viver num local onde os ordenados são naturalmente mais baixos, mas poder ter tempo e energia para cultivar a minha horta e assim ter a certeza daquilo que como.
Se há coisas negativas na minha vida? Sim, há. Mas haveria muitas mais, se vivesse uma vida como a deles.
Mas há uma questão importante em relação a tudo isto: o que é realmente o "viver com pouco"?
Como já disse anteriormente, um dos meus sonhos de vida é ser o mais auto-sustentável possível. Ter horta, galinheiro, reutilizar coisas, aproveitar ao máximo o ciclo de vida útil das coisas, reduzir consumos, ir à lenha, fazer pão, construir e produzir coisas com as minhas mãos, e quem sabe até fazer a minha própria cerveja?
E isso não é "viver com pouco". É viver com fartura! Fartura de saúde, fartura de sabor, fartura de tempo, fartura de diversão e fartura de não-stress. E ainda se poupa dinheiro.
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(Um dos passeios desse fim de semana - Cabo Espichel) |
Logicamente nem todas as pessoas são talhadas para a vida de campo e nem têm que o ser. O meu sonho é meu e entendo que nem toda a gente esteja para aí virada. Porque, apesar de ser uma vida mais equilibrada e saudável, é necessário algum trabalho e nem todos o conseguem, ou querem.
O que eu penso é que há por aí muita confusão nas cabeças das pessoas. Será talvez só uma questão de semântica, mas a diferença é grande. Porque aquilo de que estávamos a falar na altura, não era de experiências de vida de pessoas que "vivem com pouco". Eram experiências de vida de pessoas que vivem com o Essencial. Que é bastante diferente.
Quando uma pessoa descobre o que é verdadeiramente importante na sua vida e se despoja do que é acessório, liberta-se de uma forma que não é possível através de outros meios. E torna-se numa pessoa mais feliz. O Minimalismo, por exemplo, é uma forma de libertação. Destralha-se, livramo-nos do que está a mais e fica-se com o Essencial. O Armário-Cápsula é outro exemplo de libertação do desnecessário, focando-nos apenas no Essencial. O Síndrome do Pensamento Acelerado acontece quando nos deixamos de focar no Essencial e ficamos enrolados em milhares de pensamentos desnecessários. Poderia dar muitos mais exemplos, mas acho que já perceberam a ideia.
A verdade é que nos andamos a enganar, ou a ser enganados, com esta história que temos que ter muito para sermos felizes. E isso é uma mentira. Nós, para sermos felizes, temos é que ter o necessário, o Essencial. O que nos vale ter dinheiro para ter dois ou três tablets, se não temos tempo para estar com a nossa família e com os amigos? O que nos vale cem sapatos, se não nos sentimos bem com o nosso trabalho? O que vale trabalhar mais para ganhar mais, se depois vamos gastar esse "mais" em ATL's, pois ficamos sem tempo (e alguns, sem vontade) de estar com os filhos?
Todos nós, a uma certa altura da vida, deveríamos fazer uma análise interna. Olhar bem para dentro de nós e ver o que é realmente importante, essencial para nós. Se isso acontecesse, viveríamos todos num Mundo melhor.
Conseguem viver com o Essencial, ou ainda precisam de muito para serem verdadeiramente felizes?
Boa semana!